sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

EDIÇÕES FLOR DO SAL E A POESIA DE THÉO


O poeta currais-novense Théo G. Alves lançará, no próximo dia 03, o seu novo livro de poemas - "pequeno manual prático de coisas inúteis" - pelas Edições Flor do Sal. O evento acontecerá no renomado Salão Café da Nalva, na Ribeira.
Prestigiem o melhor da poesia potiguar da atualidade!



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

THÉO E A INVENÇÃO DAS COISAS



Desenho de Manoel de Barros


Quando li a poesia de Théo pela primeira vez, foi como se eu sentisse a presença de um anjo perto dos meus olhos. Perto não, dentro. Muito dentro dos meus olhos, encostado em minhas lágrimas, enxugando-as, contendo-as, cercando minha íris de uma luz muito boa e forte. A sua poesia é esse anjo de uma asa só, asa meio quebrantada de murmúrios e outros jeitos de ser asa que só anjos dessa estirpe conseguem entender. Eu não entendo, mas amo. A sua poesia me chega tão doiduras, invencionices de menino brincante, ardência de homem pensante. Homens como Théo sabem ser meninos no ofício de poeta. Pois só quem inventa coisas tão lindas e concretas são meninos com respiração de pássaros.

Esse meu amigo pássaro voa entre as palavras e há de pousar em cada olhar nosso de gente potiguar, de cidadãos do mundo. Como já tiveram de ancorar em rios nossos algumas de suas palavras de manejo suave e limpo, nos livros “Loa de Pedra” e “A Casa Miúda”, além de algumas coletâneas de prosa e poesia, na companhia de amigos bons do Seridó - “Tamborete” e “Triacanto”. Tenho notícias de que em breve outro nascerá de seus sonhos. Não falo da filha do pai (essa que venha feliz), mas do filho poético que nos chegará pertinho à alma, com suas nuances de barro e sua intimidade com as coisas mais que úteis ao espírito.

Além da expectativa para o lançamento de seu terceiro livro, esse poeta de brancas feições tem nos rendido grande orgulho. O seu histórico de participações felizes em vários concursos literários do RN e também do PR foi enriquecido pela sua classificação no último Luís Carlos Guimarães, promovido pela Fundação José Augusto. Os poemas vencedores consituem aquilo que eu chamaria de “a beleza do ínfimo”: ver, escrever, ser. Não me aventuro em falar mais. Os poemas dirão tudo.


instruções para se inventar um besouro


uma cor improvável
é a matéria primeira da carapaça
de pedra/vime

convém dar ao besouro
costas titânicas
e um ventre cremoso

um alicate
não o resolve
menos ainda o reinventa

que voe
mas sem exageros -
o infinito é para os graúdos

convém dotá-lo
de um desejo pelo chão
se é de escombros feito o tempo

não se deve dar ao besouro
memória: que os erros de deus
só se cometem uma vez.

para se construir um homem só

lentamente
abandona tuas roupas
deita-as
peça
por
peça
sobre o chão

o piso de gelo
sob
teus pés:
como os dedos finos
da morte gelada
lhe tocam o ombro
lentamente

teu corpo
masculino
e
imperfeito
diante do espelho
é silêncio:
tua voz esquecida

tua musculatura
de pedra
frágil
arqueja ante os
relógios:
tua casa
em ruínas

abandonados
tuas roupas
teu corpo
tua voz
ergue a casa
de teu calar
de tua ausência
ninguém dirá:
não morras -
hoje não.

para adornar o desejo

arrombar-lhe as portas
como um ladrão
ou um pesadelo
e
faminto
devorar-lhe o corpo
polegada
por
polegada

exibir as faces brancas
de seus quadris
e tomar por suas
estas terras
ainda a serem criadas
cada centímetro
de rosas
deve pertencer-lhe
- bandeira fincada
em terra fértil
as portas abertas
de seu corpo
hão de encarcerá-lo para
sempre.


instruções para inventar novas cores

inventar novas cores
não é tarefa deveras
necessária:

todas as cores -
úteis ou não -
estão apresentadas,
esboçadas no mínimo,
nas obras de deus
há apenas de
acrescentar-se amarelo
ou tons de terra
às memórias mais antigas,
pois o tempo
dá a todas as coisas
cores próprias.
mesmo os campos mais verdes
da infância
estão amarelados
pelo tempo
o vermelho profundo
dos tachos de goiabada
não sobrevive incólume
à ação dos anos

em verdade,
os tachos de goiabada
são compostos:
80% de perfume
12% das mãos ágeis de minha avó
6% de vermelho único
e 2% de memória

as cores
não precisam ser inventadas:
criá-las é tarefa de deus,
a nós
cabe utilizá-las
e emprestá-las a tudo
de que somos compostos.


Para ler os outros poemas premiados de Théo G. Alves, acesse a minha Coluna na Digi. Para conhecer mais a produção literária deste poeta currais-novense, visite o Museu de Tudo.